Desde que um inglês saiba cantar em português, iss…

Desde que um inglês saiba cantar em português, isso é música portuguesa…
Quem diz inglês, diz também francês, espanhol ou italiano, pois desde que se cante na língua de Camões, a música é considerada portuguesa, de acordo com a proposta de alteração à Rei da Rádio que vai a votação na Assembleia da República na próxima terça-feira, como indica o artigo «Governo ajusta quotas de música portuguesa» na edição de hoje do Diário de Notícias.
Quer isto então dizer, que a RDP África terá de alterar a sua programação musical dado que, apesar da esmagadora maioria dos trechos musicais que toca serem interpretadas em português, podem não ser de cidadãos oriundos da União Europeia… É isso, ou entendi mal?
Considerando o facto de que estão previstas excepções para as rádios temáticas e que a maioria das rádios temáticas que temos são «musicais», então, em que é que ficamos?

Excepções
Nesta altura existem 22 rádios temáticas (18 musicais e 4 informativas), todas no continente. Define a Lei da Rádio no Artigo 2.º que o serviço de programas temático é «o serviço de programas que apresente um modelo de programação centrado num determinado conteúdo, musical, informativo ou outro». A Lei não define que o conteúdo musical tem de incluir percentagens de música nacional e a proposta de alteração à ontem aprovada prevê excepções para rádios temáticas. Considerando que o Rádio Clube Português, a Mix FM (Lisboa), a Rádio Nova (Porto), Classe FM (Lisboa) e Foxx FM (Lisboa), para citar apenas alguns exemplos [ver listagem] são temáticas musicais e assumem uma especialização musical, terão então carácter de excepção? E estações como a Rádio Capital, a Orbital (Lisboa) ou a Cidade FM? Também são temáticas, mas não assumem qualquer tipo de especialização musical, muito embora se saiba que na Orbital predomina a música de dança e, na Cidade FM, o Hip Hop e sonoridades urbanas. Serão igualmente objecto de excepção?

Fiscalização
Pelo que li, será Entidade Reguladora para a Comunicação Social a fiscalizar o cumprimento da lei. As multas oscilam entre os três mil e os 50 mil euros e dependem da cobertura da rádio. Resta saber se não será mais proveitoso para algumas estações reservar parte da sua receita para o pagamento das coimas, mantendo a sua programação inalterada (conseguindo com isso manter a sua audiência e conquistar novos ouvintes às estações que mudaram o seu panorama musical), dado que será impossível para a Entidade em questão fiscalizar todas as estações, ao mesmo tempo e durante todo o dia, sob pena de se instaurar uma espécie de nova censura, em prol da música portuguesa. Além de que é conhecida a (in)capacidade fiscalizadora da entidade actualmente competente…

Horário da quota
Considerando ainda que a quota é válida para o período entre as 07h e as 20h, é bem provável que a rádio em FM perca ouvintes para webradios made in… elsewhere, especialmente no período entre as 9h e as 18h, pois na sua generalidade, as empresas já têm acesso Internet de banda larga e por mais restrições que a Intranet tenha para o acesso à Internet, existirá sempre uma rádio na web cujo acesso os informáticos da empresa em questão desconhecem (até porque, a primeira restrição vai para as estações com emissão em FM)…
Por outro lado, corremos igualmente o risco das estações manterem o seu espectro musical inalterado durante o prime time do início da manhã e do final de tarde para ‘espalharem’ a percentagem de música portuguesa imposta pelos horários de menor audiência como sejam a manhã e a tarde, com a excepção para a hora do almoço. Vi as contas que Jorge Guimarães Silva do blogue «A Rádio em Portugal» fez, e que passo a transcrever: «se tivermos em conta que uma estação com muita música passa, na melhor da hipóteses, 16 trechos musicais por hora, então terá de colocar em antena pelo menos quatro canções em língua portuguesa. Destas quatro, uma pode ser de outra nacionalidade que não portuguesa». Se a estação for inteligente, não precisa de chegar aos 16 temas, podendo criar novas rubricas e introduzir mais jingles ou promoções dos programas da estação. Se tocar então, 13 músicas por hora, ocupar 4 minutos com publicidade, 2 minutos com uma rubrica e os outros 2 com separadores, conversa (curiosidades, estado do tempo e trânsito, por exemplo) e jingles de promoções, teremos então uma mistura que incluirá três músicas em língua portuguesa por hora. Uma das quais de outra nacionalidade, desde que seja «música composta ou interpretada em língua portuguesa por cidadãos dos Estados-membros da União Europeia».

Lei e Tecnologia
Há ainda outro aspecto relevante em toda esta questão. Se estão a ser produzidas alterações à Lei da Rádio e se a realidade do panorama nacional e mundial da rádio está a mudar, fará sentido, como referiu o deputado Agostinho Branquinho ao Diário de Notícias que as rádios online, o DAB, as rádios no cabo ou na futura televisão digital terrestre não sejam abrangidas? Quererá isto dizer o que João Paulo Menezes escreveu hoje no seu blogue «A Rádio Está a Morrer?» relativamente ao podcasting, que é «tanto é uma enorme oportunidade para a rádio como pode ser uma grande ameaça – se a rádio não perceber o que se está a passar»?
Acrescento outra dúvida no que respeita à imposição de quotas à rádio e que se prende exactamente com as possibilidades que existem para a rádio no mundo virtual. Uma estação ameaçada pela imposição de quotas, obrigada a mudar o seu estilo de programação pode finalmente utilizar as potencialidades da Internet, aproveitar a credibilidade do seu nome e a notoriedade da sua marca para criar canais ‘portuguese music free’ para ouvir online. Outra hipótese será manter a emissão em FM e desenvolver podcasts com os seus locutores com, ou sem música portuguesa, para download mediante pagamento ou subscrição. O pagamento de conteúdos é uma realidade e será cada vez mais banal. Dado que há um o prazo de entrada em vigor da lei, para dar tempo às rádios para se adaptarem, muita coisa pode ainda acontecer…