A eterna voz… Faleceu na Segunda-feira à…

A eterna voz…

Faleceu na Segunda-feira à noite uma das vozes mais melódicas que a rádio e a televisão conheceram em Portugal. Unanimemente aclamada, a voz de José Ramos tornou-se conhecida e reconhecida do público português através da publicidade e, particularmente, como voz off da SIC, marcando de forma inequívoca, a personalidade do canal.
De volta à rádio, José Ramos era co-autor do programa os Reis da Rádio, na Antena1, em parceria com Júlio Isidro, Jaime Fernandes, João Paulo Guerra e José Nuno Martins, este último, actualmente indigitado para provedor da estação pública de rádio, aguardando o parecer do conselho de opinião da RDP.
A voz, elemento peso substancial na comunicação radiofónica, tem, como muitos autores indicam, uma cor própria que caracteriza a personagem que lhe dá corpo. Na rádio, a plasticidade das vozes e dos sons permite a diversificação das imagens produzidas no ouvinte, a multiplicação das identidades definidas e a criação de personagens possíveis, pela ausência da sua materialidade. Explica Rodrigues que “o radiouvinte «vê» o jogo relatado na rádio, sente a vibração do estádio, participa das emoções que «o grão da voz» do locutor corporiza”1, pelo que podemos considerar a voz como o elemento mais harmonioso da comunicação na rádio. As qualificações da «cor» da palavra oscilam muitas vezes entre o grave e o agudo e podem ser decisivas para a relação que se estabelece, no sentido em que “o grão da voz é tanto mais importante na medida em que se considere as diversas funções semióticas que desempenha na comunicação radiofónica. No radiojornalismo, a voz do locutor informa não apenas o conteúdo das notícias, mas funciona igualmente como signo indexical que informa o programa e a emissora em que o ouvinte está sintonizado. A presença humana inerente à vocalização torna-se desta forma inseparável da presença institucional, ao mesmo tempo em que a presença institucional se manifesta apenas através da mediação humana”2. Assim era a voz de José Ramos.
Há inevitavelmente toda uma identificação visual que habitualmente se faz da pessoa a quem pertence a voz. Esse levantamento de características é também influenciado por outro elemento diferenciador da palavra radiofónica: a melodia da palavra. Como não há recurso à linguagem gestual, a melodia é um elemento básico da polissemia da palavra radiofónica, para expressar as distintas «formas» da conotação semântica e da afectividade estética. Com base na perspectiva semiológica de Charles Peirce, o teórico inglês Andrew Crisell explica que as palavras são símbolos daquilo que representam, enquanto a voz que as articula é um índice da pessoa, ou da personagem que está a falar.
“Voice can be so powerful an expression of personality that merely by virtue of some well-delivered links a presenter or disc-jockey can impose a unifying and congenial presence on the most miscellaneous of magazine or record programmes. Moreover the voice of a continuity announcer is an index not only of herself, whom she may identify by name from time to time, but of the whole station or network”3. Na realidade, é o contacto entre a voz e a palavra que consegue estabelecer a reprodução da parte pelo todo. Assim que a voz é projectada, o ouvinte procura de imediato visualizar aquilo que está a ser dito, criando uma representação mental da descrição, ao mesmo tempo que inventa uma imagem de quem lhe está a narrar os factos.
Neste poder da imaginação individual, vai fundar-se uma espécie de relação entre o locutor da estação e o ouvinte, na qual a voz, enquanto referente do enunciado, coloca a rádio num patamar dominado pela imaginação onde vozes correspondem a figuras aparentes, criadas por cada ouvinte da rádio.
“(…)The listener can fashion him as she wants him, free from all those blemishes and shortcomings that would be declared in his appearance; and this companionship is nourished not simply by the blindness of the medium but its secondariness – by the fact that he is often able to accompany her in many more areas of her existence and for longer stretches of time than a television presenter could, and to that extent provides a mores constant and intimate presence”4.
Partindo de experiências diversas, Balsebre concluiu que uma voz pode ter «cores» diferentes, influenciando a percepção do ouvinte. Essa «cor» é fruto da percepção da relação que se estabelece entre as dimensões que definem acusticamente o som da palavra. Explica Rodrigues que, “a Voz da Rádio é assim uma voz originária em que prevalece à significação das palavras o fluxo modalizador do som, a força enunciadora do corpo. (…) Há de facto uma mais-valia emotiva da voz, uma precipitação do prazer musical da língua, do seu tecido sonoro, a partir do momento em que nela se concentra a totalidade poética do mundo.”
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Uma voz grave orienta-nos no sentido de proximidade, num contacto psicológico mais estreito entre locutor e ouvinte, ao passo que as vozes mais agudas, mesmo tendo um efeito de «presença» menor, conseguem denotar mais clareza e inteligibilidade, atenuando a distracção ou menor nível de atenção da audiência. Como elemento de identificação entre ouvinte e locutor, as vozes graves são normalmente associadas à segurança e credibilidade, favorencendo a comunicação – num sentido de proximidade – com a audiência. Que voz, para substituir Jose Ramos?

1 RODRIGUES, s/d: 126.

2 MEDITISCH, 1997: 4.

3 CRISELL, 1994: 43.

4 CRISELL, 1994: 69.

5 RODRIGUES, s/d: 127.

3 comments
  1. jpmeneses said:

    A do filho, Pedro, todas as tardes na Radar FM!

  2. Jorge Guimarães Silva said:

    Um (mais um) magnífico texto sobre a rádio. Só é pena que tenha sido escrito devido a um trágico acontecimento.

  3. Anonymous said:

    Concordo JP,

    O Pedro. Grande voz. Tal e qual o pai. Dêem-lhe tempo. E com o tempo, haverá a oportunidade.
    Ele, também ele, terá de arriscar. E acreditar.

    Cool J

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