A ficção na rádio moderna O panorama comunicaciona…

A ficção na rádio moderna
O panorama comunicacional da rádio moderna caracteriza-se pela multiplicação dos canais, pluralidade de temáticas e conteúdos mediáticos. O futuro passa pela tematização e fragmentação das audiências, resultando no desenvolvimento de estações com conteúdos cada vez mais específicos, tal como se começa a verificar no nosso país, particularmente na cidade de Lisboa.
Colocam-se, então, algumas questões: Será que podemos considerar rádio moderna na verdadeira acepção da palavra radiodifusão? Será a mera difusão musical uma forma concreta de actuação musical? Estará este formato enquadrado nos parâmetros de comunicação que a rádio estabeleceu para si mesma ao longo da sua evolução?
Na sua primeira fase, a radiodifusão desenvolveu-se como um sistema de comunicação radiofónico concebido para a transmissão e recepção de mensagens sem grande definição de conteúdo. Os chamados anos de ouro da rádio, que oscilam entre 1930 e 1950, traduziram-se num fenómeno de radiodifusão que procurava reconstruír a realidade dentro do estúdio, com dramatizações e espectáculos produzidos na própria estação emissora. Face à própria evolução quer do meio, quer da sociedade e do sistema económico – comercial em que o meio se integra, este tipo de rádio cedeu lugar a outros mais específicos, que procuram ir ao encontro de públicos cada vez mais definidos. A dada altura, as rádios entraram num processo de formatação dos conteúdos que ainda hoje orienta a estrutura da programação, define a sonoridade estética e musical, assim como a abordagem conceptual que o meio faz da sua programação e edição de notícias.
O teatro radiofónico nasceu no pós-guerra e, tal como os primórdios da actividade radiofónica, também aqui se viveu durante algum tempo, da boa vontade e do amadorismo de quem se dedicava a fazer rir e chorar. Em Portugal, muitos «sketches» faziam piadas disfarçadas ao regime, à semelhança do que se fazia no teatro de revista no Parque Mayer. Em 1950, os folhetins na rádio começaram a ganhar contornos menos literários, com o aparecimento do famoso «Tide». Sem grandes ambições de qualidade e com textos comprados à América Latina, contou histórias que ainda hoje são recordadas. Em 1952 surgiu o «Rádio-Comédias», um programa semanal que subsistiu até 1974.
A uma fase de rádio-espectáculo, à base de emissões directas, seguiu-se um modelo de passagem de discos e conversa entre dois locutores que, no estúdio, iam apresentando alguns discos e a publicidade. Os grandes êxitos eram os programas humorísticos, os folhetins, os discos pedidos e os programas de desporto. No humor, destacaram-se a «Voz dos Ridículos» e os «Parodiantes de Lisboa» na rádio Peninsular. Mais tarde, e com o apoio publicitário, os Parodiantes começaram a lançar novos programas, nomeadamente o ainda famoso «Graça com Todos», transmitido diariamente no RCP. Nos folhetins, o grande sucesso foi «A Força do Destino», o programa que celebrizou Vasco Santana e Irene Velez, pelas suas interpretações da Lélé e do Zéquinha.
Tal como a rádio já o fez, também hoje a televisão disponibiliza programas de que propõem temas do quotidiano doméstico e familiar durante a manhã; talk shows a seguir ao almoço e ao final da tarde, informação à hora das refeições, telenovelas ao serão e cultura ao fim da noite. Em paralelo, a grelha de programação da rádio foi-se alterando, não só para fazer face às novas propostas da programação televisiva, mas também num processo evolutivo que decorre da história do próprio meio.
Depois do 25 de Abril de 1974, a rádio, que durante anos se mostrou demasiado hermética, tornou-se flexível e criadora de novas tendências. A explosão do FM deu-se em meados dos anos 80, com o aparecimento da Rádio Comercial e das rádios piratas. Quando surgiu, a Comercial pretendia ser uma rádio generalista. Muito embora na altura ainda fosse uma rádio de programas, com artistas da rádio, pretendia fundamentalmente chegar a um público urbano. Foi o primeiro formato que existiu de carácter fragmentado.
Na actualidade, a rádio abandonou a sua estrutura de programação com base em programas diferentes e bastante concretos, para adoptar uma programação mais ligeira que se organiza em sequências horárias ao longo do dia. Em paralelo, tem havido também uma modificação nos hábitos de escuta. Hoje, são raras as vezes em que os ouvintes procuram identificar a estação que estão a ouvir. Invariavelmente, interessam-se apenas pela música que a rádio transmite.
A maior parte das estações tem diversificado a programação, contudo, criou-se um panorama sem grande diferença entre as estações e grupos de rádios. A indistinção entre as rádios começa exactamente na indefinição que existe ao longo das emissões, que ao longo do dia são idênticas. Regra geral, muda a hora, muda a voz, mas o formato mantém-se. Tirando as tendências de estilo discursivo, todas as rádios generalistas são iguais. Se compararmos os horários, verificamos que a programação segue, na generalidade das estações, o mesmo fio condutor: das seis até às dez e meia da manhã, programas que intercalam a informação (nas suas diversas abordagens, conteúdos e tratamentos) com um esquema de rádio – conversa, conduzida por um grupo de profissionais, de preferência «personalidades da rádio». A partir desta hora, as rádios de caractér musical brindam-nos com infindáveis sequências musicais (Antena 3, Comercial, RFM), enquanto as outras optam por um estilo de rádio com programas variados, que tratam todo o tipo de assuntos. Assim se compõe a programação da Antena 1, da Renascença e num ângulo mais requintado que não abandona a informação noticiosa, a TSF. Em muitas rádios, a hora do almoço é aproveitada para fazer um balanço da manhã informativa, desenvolvendo alguns temas que não tiveram lugar nos noticiários da manhã, ou pura e simplesmente, repetindo notícias e reportagens. A partir das dez da noite, a rádio volta a retomar um estilo próprio, com programas de autor («Oceano Pacífico» na RFM), entrevistas, conversas e programas de antena aberta («Bancada Central» na TSF). As madrugadas apostam numa programação de «fundo musical», ou no caso do Canal 1 da Rádio Renascença, em programas de companhia, que procuram diminuir a solidão de alguns ouvintes.
A ficção, é praticamente inexistente. Com excepção para os espaços de humor («Cromos TSF» na TSF, ou «Há Vida em Markl», na Antena 3), não há, nas estações que caracterizam o panorama radiofónico nacional, programas de ficção criados especificamente para este meio.
A escuta da rádio há muito que deixou de ser um ritual, para se tornar um ruído de fundo que nos acompanha na realização de outras actividades, ou na companhia mecanizada de muitos condutores.
Ao longo da sua história, a rádio assumiu-se sempre como difusor de informação e cultura, num claro papel de divulgação musical. Esse papel não foi desvrituado. A rádio continua a ser a maior fonte de variedade musical, apesar das repetições tão características do sistema de playlist.
Não faltam opiniões que recordam, com saudade, outros tempos da rádio. Com algum esforço de memória, certamente conseguimos recordar laguns programas que era hábito escutar na rádio e tentar decifrar quando foi a última vez que de facto, um programa nos seduziu, uma voz nos comoveu ou quando foi que a rádio consegiu produzir, em nós, qualquer emoção estética, traduzindo a linguagem radiofónica enquanto instrumento de comunicação e expressão. Parece que, a dada altura, a rádio se foi distanciando das pessoas, tornando-se mais mecanizada. Apesar de as audiências revelarem aumento do número de ouvintes, o automatismo é contra a natureza da rádio e, por isso, não pode funcionar a longo prazo.
A estagnação do meio decorre de um processo cíclico que obriga à mudança. Foi assim depois do 25 de Abril com o aparecimento da Rádio Comercial, depois com as rádio piratas e as locais com perfil de nacionais. Mas depois disso, nada mais aconteceu na rádio. A única coisa que aconteceu foi a alteração do esquema de negócio, que gradualmente se foi concentrando em grandes empresas.
A rádio é hoje um produto comercializável e perdeu o seu carácter artístico – estético, situando-se no conceito de utilidade. Atravessamos uma fase de ausência de ideias, ou da ausência de espaço para grandes ideias, porque estas dependem do princípio da rentabilidade. As rádios limitam-se a cumprir com o dia a dia e, como outro negócio qualquer, estão a ser geridas numa postura de mercado. Há uma preocupação muito grande com o marketing da rádio e a sua capacidade para gerar lucro, mas perdeu-se o equilíbrio entre o negócio e o lado artístico da rádio. A breve trecho, a rádio vai mudar de forma vertiginosa, empurrada pelas mudanças tecnológicas, mas não vai acabar. Existem formatos internacionais que são aplicados com adaptações aos respectivos mercados. Portugal não foge à regra e o que se faz aqui, é parecido com o que se faz noutros paises. Com a criatividade específica de cada estação. O desenho que temos hoje vai ser pulverizado, por necessidade de encaixe em nichos de mercado e adaptação às novas condições tecnológicas que se vão desenvolver, com o aumento do acesso à Internet nos lares e a implementação da rádio digital que, mudará por completo a rádio como a conhecemos neste momento.

1 comments
  1. Anonymous said:

    Bom texto Paula.
    Na realidade, a Digitalização da radio vai mudar a face da oferta em Portugal. Ora, se as privadas, para já não falar das pequenas locais, mas também da enormes privadas (umas por falta de meios, as segundas por falta de interesse comercial), não avançam nesse domínio, as coisas ficarão negras para elas.

    Um ultimo comentário que de forma suscinta responde à primeira parte do teu texto.
    A Radio foi criada como o proprio nome indica, numa lógica de “Broad”casting. Como o sinal dos tempos mostra, daqui para a frente, rádio é uma figura de estilo. Radiocasting, será Netcasting, Digitalcasting, Datacasting.
    E mais do que tudo, BROADcasting virará cada vez mais NARROWcasting.

    CoolJ

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